Os caiçaras do Rio Verde enfrentaram mais uma tentativa de expulsão, desta vez através de ação direta de demolição de uma das casas das famílias que vivem nesta comunidade tradicional da região da Jureia (SP). O diretor regional da Fundação Florestal, Edson Montilla de Oliveira, e o gestor da Estação Ecológica Jureia-Itatins, Aruã Fernandes Antunes Caetano, acompanhados de 7 guarda-parques e de 3 policiais ambientais foram até a casa de uma das famílias caiçaras nessa semana. O intuito: demolir a casa com pés de cabra sob ordem administrativa da diretoria geral da Fundação Florestal. A comunidade se organizou, fez um empate, e conseguiu resistir a essa tentativa de demolição. Mas desde então a família recebeu o prazo de 72 horas para sair da casa, conforme informado pelo Sr. Edson, quando voltarão para concretizar a remoção.

O cumprimento dessa ordem é considerado ilegal pela assessoria jurídica das famílias e pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo (regional de Registro), consultada após o ocorrido, pois viola princípios e direitos constitucionais e tratados internacionais de direitos humanos consolidados nos artigos 215 e 216 da Constituição Federal, na Convenção 169 da OIT, no Decreto 6.040/2007, no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (consultaprévia) e na Lei da Mata Atlântica que prevê a utilização de recursos naturais por comunidades tradicionais.

O abuso institucional por parte da Fundação Florestal não é de hoje. A expulsão sofrida na Jureia foi objeto de inúmeras teses acadêmicas e há farta documentação dos órgãos ambientais que demonstram o esvaziamento das
comunidades, onde as famílias nasceram e foram criadas, plantando, pescando, cuidando do território, da natureza, séculos antes das discussões sobre preservação.

O local sobreviveu à especulação imobiliária na década de 1970, ao projeto de Usina Nuclear no fim do governo militar e, desde 1986, resistem a uma legislação ambiental aplicada seletivamente para restringir seu modo de vida, desconsiderando o papel das famílias para a conservação e defesa da natureza e para a manutenção da biodiversidade. O argumento do governo do Estado de São Paulo é de que moramos em Estação Ecológica, área totalmente restritiva à habitação, mas não revelam que a lei criada em 1986 ignorou a presença de 22 comunidades na época, tornado-as ilegais da noite para o dia.

Sabe-se que pela própria tradição que é possível conservar a natureza mantendo as práticas e garantindo a permanência de comunidades tradicionais. Há reconhecimento científico de que conhecimentos e técnicas tradicionais são eficazes na manutenção da biodiversidade na Mata Atlântica e que políticas públicas em todo o mundo permitem a convivência entre comunidades tradicionais e a natureza, da qual as comunidades dependem.

Por isso, depois de décadas tentando dialogar (bastando dizer que o Conselho Consultivo, onde teríam alguma voz, foi instituído apenas em 2018), sendo impedidos total ou parcialmente de plantar e pescar, de reformar suas casas, e construir outras às novas gerações, vendo saírem as escolas e postos de saúde, e junto com elas muitos dos parentes, decidiram fazer um Plano de Uso Tradicional Caiçara (PUT). Proporam com o PUT uma solução ao conflito histórico na Jureia, pautando, por meio de minucioso estudo de grupos de pesquisa da USP, UNICAMP e UFABC, e de assessoria jurídica da Defensoria Pública, que a permanência da comunidade é sustentável, juridicamente viável, além de justa do ponto de vista das violências que já sofridas. Contudo, há um ano não há sequer uma resposta da Secretaria do Meio Ambiente e da Fundação Florestal a quem apresentamos o PUT.

As famílias do Rio Verde se sentem agora mais ameaçadas com a tentativa de demolição da casa de um dos parentes e o aviso da Fundação Florestal de que voltarão. O que está em risco além das famílias, é também a cultura caiçara, o modo de vida, rico em etnoconhecimento, e, a natureza, com a qual a tradição da comunidade se formou.

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