Por Marcos Hermanosn | Brasil de Fato

O novo Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP), João Camilo Pires de Campos, tem 64 anos e é o primeiro general a comandar a SSP desde Erasmo Dias, que ocupou esse posto durante o regime militar, entre 1974 e 1979, e ficou conhecido por liderar a repressão política contra estudantes reunidos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Pires de Campos tem extensa ficha de atuação nas Forças Armadas: iniciou sua carreira no Exército em 1970, com 16 anos, e chegou a chefiar o Comando Militar do Sudeste e a Escola de Comandos, responsável pela formação de generais. Também foi, no ano passado, assessor da campanha de Geraldo Alckmin (PSDB) à presidência da república.

João Camilo ascende ao posto de comandante das polícias do estado sob a ideia endurecimento no combate ao crime, uma das bandeiras de campanha do governador tucano João Dória, que se elegeu surfando na “onda Bolsonaro” e prometendo que o policial que matasse em serviço teria “acesso aos melhores advogados”.

“Polícia na rua e bandidos na cadeia. Aqui em São Paulo bandido não vai ter moleza. Direitos humanos é proteger as famílias, proteger a propriedade. Criminoso será imobilizado, preso e se necessário, ao reagir, entre a vida de um policial e a de um bandido, eu como governador determino que vamos salvar a vida do policial e que o bandido vá para o cemitério”, disse o governador João Dória antes de passar a palavra ao novo secretário.

Doria propôs investir em equipamento para as polícias e criar novas unidades do Batalhão de Operações Especiais (BAEP), como forma de reduzir os índices de criminalidade.

“Não adianta a polícia prender, se a lei manda soltar”, dizia o governador em uma de suas longas inserções na televisão, ainda no segundo turno, logo antes de prometer que, se eleito, lutaria pela redução da maioridade penal e endurecimento das leis de encarceramento no país. Além disso, como forma de dialogar com o eleitorado feminino, prometeu a construção de mais delegacias da mulher e a criação de um aplicativo com “botão de pânico”, para que uma mulher em perigo iminente pudesse acionar a viatura mais próxima.

Soluções vagas

Ao ingressar na secretaria, Pires de Campos herda bons indicadores em relação aos homicídios, que tiveram queda consistente desde 1999, e hoje estão em oito para cada cem mil habitantes, metade da média nacional. A situação é semelhante nos casos de roubos e furtos de veículos. Mas nem tudo são rosas.

Entre os problemas que o novo secretário terá de enfrentar estão o aumento do número de estupros, a crescente letalidade policial e os conflitos entre as polícias civil, científica e militar. Dados da própria SSP mostram que, entre 2017 e 2018, houve aumento de 11% nos casos de violência sexual no estado. Ao mesmo tempo, 2017 registrou o maior número de mortes causadas por policiais nos últimos 21 anos: 939 ao total.

Apesar da experiência, o general Pires de Campos parece ter poucas ideias concretas a respeito de como solucionar os problemas que afligem a área de segurança no estado, conforme demonstrou em um briefing com jornalistas realizado logo após a coletiva de imprensa em que foi apresentado, em novembro do ano passado.

Neste sentido, reproduzimos aqui as perguntas feitas pelos repórteres e, também, as respostas do general:

–General, vai ser uma gestão linha dura?
–Uma gestão serena. Serena e segura.

–O grau de letalidade [policial] tem sido muito alto. O senhor se preocupa com essa questão?
–Eu tenho a convicção de que não se mata por matar.

–Mas tem alguns casos de execução
–Isso tem que ser tratado caso a caso.  

–A polícia e o estado devem pagar advogados [aos policiais] inclusive em casos de execução?
–Cada caso é um caso. Sou a favor daquilo que o governador diz. O policial tem que ser valorizado e tem que ser amparado pelo estado.

–Os crimes contra a mulher são os que mais crescem em São Paulo. Como o senhor acha que é possível reverter essas estatísticas?
–Tem que ser combatido. Combatidos com tecnologia. Nós estamos vendo a Prefeitura de São Paulo implementando um programa espetacular de tecnologia, que tem que ser expandido, e será expandido de forma conveniente. Elas tem que ser protegidas.

Relação com os movimentos sociais

Durante a campanha de segundo turno nas eleições de 2018, o atual governador fez esforços para aproximar-se do discurso de Bolsonaro, seguindo a mesma toada de declarações agressivas contra os movimentos sociais, em especial o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Em um tweet, Dória escreveu: “Ao contrário do meu adversário, quero distância de movimentos criminosos como o MST. Nossa gestão vai valorizar o agronegócio e levar mais segurança ao homem do campo”

Declarações como essas foram utilizadas amplamente, tanto nas inserções de televisão como nos debates e redes sociais. O General Camilo, entretanto, baixou o tom em relação ao novo governador. Quando questionado por jornalistas a respeito da relação que teria com o MST, respondeu: “Se permanecer em condições normais de temperatura e pressão, não é um problema de segurança pública, quando ultrapassa a barreira da ordem e da disciplina, ele passa a ser de segurança pública”. O problema será determinar o que são a “ordem” e a “disciplina” das quais o general falou.

Gilmar Mauro, integrante da Coordenação Nacional do MST, comentou as declarações, e apresentou uma análise das últimas eleições: “Não é preciso ser sociólogo para saber que foram os problemas sociais que produziram os movimentos populares. O MST não criou o problema agrário no Brasil. A lógica para acabar com os sem-terra é resolver os problemas sociais, então [a ideia de Dória] é como fazer uma represa em um rio: se não houver vazão, uma hora ela vai explodir”, diz Mauro.

“Essa criminalização, do ponto de vista ideológico, escamoteia o principal da intenção do Dória e dos seus: ganhar dinheiro, se apropriar do estado para promover uma série de privatizações e aberturas ao capital”, completa.

Ao ser perguntado se as recentes declarações preocupam a direção do movimento, Gilmar afirma que, para que o movimento sobreviva, será preciso continuar em movimento, apesar de todas as dificuldades: “Qual vai ser o nosso comportamento? Muito cuidado, mas vamos continuar fazendo luta e fazendo pressão. A Constituição estabelece que toda terra que não cumpre com a função social pode ser desapropriada. Então, o movimento popular vai continuar se organizando, lutando e fazendo suas reivindicações. Se o movimento não fizer isso ele perde o sentido de ser”.

Sangue Bandeirante

O General Pires de Campos é ao mesmo tempo descendente das famílias bandeirantes Pires e Camargo que, entre 1640 e 1660, protagonizaram uma sangrenta “guerra civil” dentro de São Paulo, conhecida como Guerra dos Pires contra os Camargo, pelo controle de instituições políticas da cidade.

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