Por Bárbara Rocha

Inspirado na desescolarização, Criança Butantan propõe a retomada da brincadeira sem amarras, da infância simples, do pé no chão; conheça outros projetos da Morada das Percepções.

Quando a campainha toca, uma criança espia pela brecha inferior da porta até a fundadora do espaço deixar a entrada livre, sorrindo e com os olhos apertados voltados para o sol. A casa apresenta uma arquitetura de contornos antigos, cercada por brinquedos, pinturas nas paredes, percurso de materiais reciclados, lambe-lambes, rede, almofadas e histórias em quadrinhos. O café da manhã acabara de ser servido e é sexta-feira, dia em que a Morada das Percepções, espaço voltado a práticas terapêuticas, acolhimento e manifestações artísticas, realiza o Criança Butantan, que, naquele dezembro de 2016, abraçava oito crianças.

Conduzido pela terapeuta ocupacional Marcela Resende e pelo  arquiteto André Lo Russo, o projeto no bairro Butantã, zona oeste de São Paulo, propõe convivência em comunidade sem amarras, grade de programação ou supervisão constante. As crianças chegam e encontram um aparato de instrumentos para a imaginação. A partir daí, o desenvolvimento das atividades é por conta delas, com o acompanhamento de adultos que as assistem quando necessário e se envolvem se elas se sentirem à vontade para recebê-los. “Você vem e a gente pode construir junto, a gente descobre. Temos o nós, o espaço e a possibilidade de estar de outro jeito”, conta Marcela sobre a explicação dada aos pais curiosos sobre a dinâmica do projeto.

A ideia do Criança Butantã surgiu no segundo semestre de 2016, após uma experiência de colônia de férias da Morada com a Piparia.

Durante o mês de julho, Marcela e André receberam dez crianças das 8h às 17h com atividades na mesma toada do que hoje o projeto oferece: total liberdade e autonomia aos participantes.

“Eu queria muito trabalhar com criança, acho que elas têm um lugar ali, que elas se encontram com a loucura e permitem que essas loucuras vençam estigmas. A Morada precisava ter crianças circulando”, diz.

Com vasta experiência no cuidado de pacientes com transtornos mentais, Marcela trabalhou durante 13 anos em instituições, passando por hospitais psiquiátricos, Caps (Centro de Atenção Psicossocial) e clínica particulares. A crise na saúde pública a deixou desmotivada.

“O sistema de saúde tem sido manejado de um jeito que tem adoecido os profissionais, a saúde está sucateada. Com isso, o SUS fica quase num desmonte, e aí não estava fazendo sentido”, afirma.

O afastamento do trabalho ao qual se dedicara nos últimos anos a levou a fazer atendimentos domiciliares. Na nova dinâmica, a experiência com um jovem de 24 anos, com quem utilizava muito a rua para explorar recursos no processo terapêutico, inspirou Marcela a realizar novas formas de tratamento e vivências até concretizar, há dois anos, a Morada das Percepções.

Atualmente, a Morada das Percepções é incubadora de diversos projetos para pessoas de “0 a 150 anos”, como Marcela ressalta. O Encontro das Percepções, por exemplo, promove debates em torno da prática da Terapia Ocupacional de forma menos engessada, já o Rede Arte (in) Comum mapeia e integra ações de arte e cultura na área da saúde sem passar por instituições. Há ainda um projeto em maturação que promete ser a menina dos olhos de Marcela: a montagem de uma equipe de saúde mental com mulheres para pacientes mulheres. “Talvez a gente não cuide das pessoas, mas seja um lugar de formação para quem cuida delas. Como essas pessoas enxergam a mulher na sociedade? A mulher louca na sociedade?”, questiona a criadora da Morada (veja mais projetos abaixo).

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