Quando a presidenta Dilma, em sua defesa no Senado Federal, declara “Não esperem de mim o obsequioso silêncio dos covardes” imediatamente me lembrei de Martin Luther King em sua frase célebre “O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética… O que me preocupa é o silêncio dos bons”. Comecei a refletir sobre a transformação da fala pública de Dilma nos últimos meses e nesse breve texto resgato alguns desses momentos onde a altivez e clareza de seu discurso se fizeram presentes.

Meu posicionamento pessoal em relação do governo Dilma sempre foi de crítica, apesar de ter votado nela e ter sido contra o impeachment. Acredito que vários procedimentos equivocados e erros de consequências perigosas foram executados. Cito um: a “lei anti-terrorismo” sancionada durante o processo de sua gestão,  apesar dos suplicantes pedidos dos membros dos distintos movimentos sociais para que isso não ocorresse. Acredito também que o Partido dos Trabalhadores (PT), atrelados em suas questões internas, não apoiou o governo Dilma como deveria, evidenciando uma disputa interna de poder.

Porém uma das críticas que tinha ao governo Dilma era a falta de comunicação direta, o excesso de formalidade, de fala técnica e a distância que imperava em seu discurso voltado às cidadãs e aos cidadãos comuns, àquelas 54 milhões de pessoas que votaram nela, resultando na ausência de um parecer claro do rumo dos acontecimentos.

Mas a eminência da possibilidade de impeachment e a trajetória de todo processo – ou martírio – dos últimos nove meses foi transformando os discursos de Dilma, aproximando a sua fala pública das demandas urgentes do país, que a meu ver nunca foram econômicas, mas, sobretudo políticas.

Na ocasião de nomeação de Lula à Casa Civil e outros ministros à outros cargos, o que logo depois não se concretizou, o discurso de Dilma foi direto e incisivo:

Juntos, nós todos, ministros do governo e toda nossa base social e política, nós teremos mais força de superar as armadilhas que jogam em nosso caminho àqueles que desde a minha reeleição em 2014, não fizeram outra coisa que tentar paralisar o meu governo, me impedir de governar ou me tirar o mandato de forma golpista.”… e continuou “A gritaria dos golpistas não vai me tirar do rumo e não vai colocar o nosso povo de joelhos”

Naquele momento as críticas que eu poderia ter em relação ao discurso de Dilma caíram por terra. Além das palavras, ela estava com outro tom, outra disposição e com o caráter de urgência que a situação exigia. Fiquei feliz e ao comentar com outras amigas, percebi que aquele discurso fazia com que nos reconhecêssemos nas urgências que o país necessitava e nosso desejo era que finalmente a deixassem governar.

Infelizmente o transcorrer dos acontecimentos não foram como nós esperávamos, foi um longo processo, de muitas calúnias pessoais, frases degradadoras, xingamentos vexatórios. E muitas de nós, mulheres, pensávamos: Como ela aguenta tudo isso?. E nós, mulheres, a acolhemos em nossos pensamentos e sentimentos, a acolhemos por onde passou nos últimos meses, com flores, com abraços, com nossa força e nosso lamento.

Toda manobra política que se desdobrou e que feriu profundamente a democracia brasileira, consumou o impedimento de seu governo, abrindo precedentes para novos desígnios antidemocráticos.

Acabam de derrubar a primeira mulher presidenta do Brasil, sem que haja qualquer justificativa constitucional para este impeachment”.

Essa mineira, de forma e acento gaúcho, lembrou em seu último discurso a contundência de Leonel Brizola. Dilma, que morava em Porto Alegre em 1980, militava ao lado de Leonel Brizola e outros líderes trabalhistas pela criação do PDT.  Somente 20 anos depois entrou no PT. Com retórica inflamada, uma característica do legado brizolista, Dilma escreve sua própria história ao dizer:

“O golpe é contra os movimentos sociais e sindicais e contra os que lutam por direitos em todas as suas acepções: direito ao trabalho e à proteção de leis trabalhistas; direito a uma aposentadoria justa; direito à moradia e à terra; direito à educação, à saúde e à cultura; direito aos jovens de protagonizarem sua história; direitos dos negros, dos indígenas, da população LGBT, das mulheres; direito de se manifestar sem ser reprimido.”

Tenho lido alguns pareceres que dizem que o impeachment de Dilma marcará negativamente as gerações futuras de mulheres na política e na sociedade brasileira. Discordo. O impeachment apenas deixa evidente o que nós mulheres já sabíamos e experimentamos em distintas situações cotidianas: o machismo.

“O golpe é contra o povo e contra a Nação. O golpe é misógino. O golpe é homofóbico. O golpe é racista. É a imposição da cultura da intolerância, do preconceito, da violência”.

A trajetória que Dilma trilhou, proporciona um legado inspirador à todas as mulheres, de como enfrentar o machismo de pé e não de joelhos. E também aos homens que sabem da importância da força feminina e respeitam a luta das mulheres. Considerando que um discurso promove a construção social de um sujeito e sua subjetividade, as palavras das últimas falas da presidente demonstram para as novas gerações de mulheres a importância de construir novas respostas contra a violência, contra a cultura do ódio e da intolerância.

Cristiane Prudenciano de Souza
Mensageira da Mensagem de Silo
Mestranda em Ciências Sociais – PUC/SP
Estudante do NIP – PUC/SP Núcleo Inanna de Pesquisa e Investigação