Nota técnica do ITTC – Instituto Terra, Trabalho e Cidadania

Nós, organizações de defesa de direitos humanos, acadêmicas e acadêmicos, juristas, defensoras e defensores públicos, recebemos com preocupação a notícia que veio a público no dia 11 de maio de 2016, sobre o envio de uma carta por parte da Polícia Federal do Brasil intimando o reitor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a “apresentar às autoridades” a professora universitária Maria do Rosario Barbato, por ser estrangeira e estar, supostamente, “militando em sindicatos e partidos políticos no território nacional, sendo que deverá prestar esclarecimentos no interesse da justiça”, após aberto inquérito policial n.º 0310/2016-4 na Delegacia da Polícia Federal de Minas Gerais.

A este acontecimento soma-se uma nota anterior divulgada à imprensa pela Federação Nacional dos Policiais Federais – FENAPEF no dia 16 de abril de 2016[1], em que consta:

“O Estatuto do Estrangeiro (art.107 da Lei n.º 6815/80) dispõe que ‘o estrangeiro admitido no território nacional não pode exercer atividade de natureza política, nem participar de desfiles, passeatas, comícios e reuniões de qualquer natureza no Brasil, submetendo o infrator à pena de detenção de 1 (um) a 3 (três) anos e expulsão do País.’ A lei submete ainda à pena de expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma, atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais, ou desrespeitar proibição especialmente prevista em lei para estrangeiro (art.65, d).”

A FENAPEF justifica sua ação, assim, trazendo à tona a lei conhecida como “Estatuto do Estrangeiro”. Adotada em 1980, esta norma foi idealizada durante a ditadura militar e reflete cabalmente as particularidades daquele contexto histórico nacional. Há vários anos a sociedade civil organizada defende que no Brasil é necessária a revogação dessa lei, baseada em paradigma centrado na antiquada visão do imigrante como uma ameaça à segurança nacional.

Diversos autores apontaram que, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Estatuto em questão mantém artigos que não podem ser aplicados, como por exemplo os que limitam o acesso a direitos básicos como educação, saúde e moradia (BARALDI, 2011, p.25[2]).

É também o caso dos artigos que limitam direitos civis e políticos fundamentais, como a liberdade de expressão, opinião e associação. As vedações dos direitos à participação política, manifestação, reunião, associação e à participação sindical às pessoas migrantes que vivem no Brasil, que a Polícia Federal buscou aplicar no caso da professora da UFMG, além de manifestamente incompatíveis com a Constituição Federal de 1988, violam compromissos assumidos pelo Brasil a nível internacional através da ratificação de diversos tratados internacionais de direitos humanos.

Apresentamos abaixo os fundamentos jurídicos que embasam esta avaliação.

  1. Da Normativa Nacional Sobre Participação Política do Migrante

Consta no Artigo 107 do Estatuto do Estrangeiro, vigente pela Lei Nº 6.815/80[3], que, com a exceção da pessoa de nacionalidade portuguesa no gozo dos direitos e obrigações, atividades de natureza política são vetadas à pessoa não-nacional de acordo com:

 Artigo 107º: O estrangeiro admitido no território nacional não pode exercer atividade de natureza política, nem se imiscuir, direta ou indiretamente, nos negócios públicos do Brasil, sendo-lhe especialmente vedado: (Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)

I – organizar, criar ou manter sociedade ou quaisquer entidades de caráter político, ainda que tenham por fim apenas a propaganda ou a difusão, exclusivamente entre compatriotas, de idéias, programas ou normas de ação de partidos políticos do país de origem;

II – exercer ação individual, junto a compatriotas ou não, no sentido de obter, mediante coação ou constrangimento de qualquer natureza, adesão a ideias, programas ou normas de ação de partidos ou facções políticas de qualquer país;

III – organizar desfiles, passeatas, comícios e reuniões de qualquer natureza, ou deles participar, com os fins a que se referem os itens I e II deste artigo.

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não se aplica ao português beneficiário do Estatuto da Igualdade ao qual tiver sido reconhecido o gozo de direitos políticos.

Ainda, o Artigo 337 do Código Eleitoral em vigor, instituído pela Lei no 4.737 de 15 de julho de 1965, diz que:

Artigo 337º: Participar, o estrangeiro ou brasileiro que não estiver no gozo dos seus direitos políticos, de atividades partidárias inclusive comícios e atos de propaganda em recintos fechados ou abertos:

Pena – detenção até seis meses e pagamento de 90 a 120 dias-multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorrerá o responsável pelas emissoras de rádio ou televisão que autorizar transmissões de que participem os mencionados neste artigo, bem como o diretor de jornal que lhes divulgar os pronunciamentos.

Por outro lado, na Constituição Federal[4] Brasileira de 1988 consta:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;

XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

XIX – as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado.

Nesse sentido, tanto o artigo 107 do Estatuto do Estrangeiro quanto o artigo 33 do Código Eleitoral, apresentam conteúdos conflitantes com a atual Constituição Federal. Hierarquicamente superior ao Estatuto do Estrangeiro e ao Código Eleitoral, e posteriormente editada e promulgada, os artigos supracitados, devem ser considerados incompatíveis com a Constituição Federal de 1988, pois não recepcionados pela atual ordem constitucional.

  1. Normativa Nacional Sobre Participação Sindical

De acordo com artigo 106 do Estatuto do Estrangeiro, vigente pela Lei Nº 6.815/80[5], que, com a exceção da pessoa de nacionalidade portuguesa no gozo dos direitos e obrigações como previsto no Estatuto da Igualdade, a pessoa não-nacional não pode ter participação na representação de associações trabalhistas, conforme segue:

Artigo 106º: É vedado ao estrangeiro: (Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)

VII – participar da administração ou representação de sindicato ou associação profissional, bem como de entidade fiscalizadora do exercício de profissão regulamentada.

Entretanto, a Constituição Federal Brasileira de 1988, garante:

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;

II – é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;

III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

IV – a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;

V – ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;

VI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;

VII – o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais;

VIII – é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.

Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer.

Nesse sentido, o artigo 106 do Estatuto do Estrangeiro, apresenta conteúdo conflitante com a Constituição Federal. Por ser a Constituição Federal norma posterior e hierarquicamente superior ao Estatuto do Estrangeiro, o artigo citado deve ser considerado não recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

  1. Normativa Internacional

 Reforçando a nulidade dos artigos 106 e 107 do Estatuto do Estrangeiro e do artigo 33 do Código Eleitoral, apresentamos abaixo normativas internacionais das quais o Brasil é signatário:

I – Declaração Universal de Direitos Humanos[6]

Adotada e proclamada pela resolução 217 A da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 afirma que:

Artigo 19º: Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Artigo 20º: 1. Toda pessoa tem direito à  liberdade de reunião e associação pacíficas.

Artigo 21º: 1. Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.

  1. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.
  2. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

Artigo 23º: 4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.

II – Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais[7]

Adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 19 de dezembro de 1966, foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n.° 226, de 12 de dezembro de 1991. Contém:

Artigo 6º: 2. As medidas que cada Estado Parte do presente Pacto tomará a fim de assegurar o pleno exercício desse direito deverão incluir a orientação e a formação técnica e profissional, a elaboração de programas, normas e técnicas apropriadas para assegurar um desenvolvimento econômico, social e cultural constante e o pleno emprego produtivo em condições que salvaguardem aos indivíduos o gozo das liberdades políticas e econômicas fundamentais.

Artigo 8º: 1. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a garantir:

  1. a) O direito de toda pessoa de fundar com outras, sindicatos e de filiar-se ao sindicato de escolha, sujeitando-se unicamente aos estatutos da organização interessada, com o objetivo de promover e de proteger seus interesses econômicos e sociais. O exercício desse direito só poderá ser objeto das restrições previstas em lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades alheias;
  2. b) O direito dos sindicatos de formar federações ou confederações nacionais e o direito destas de formar organizações sindicais internacionais ou de filiar-se às mesmas.
  3. c) O direito dos sindicatos de exercer livremente suas atividades, sem quaisquer limitações além daquelas previstas em lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades das demais pessoas:
  4. d) O direito de greve, exercido de conformidade com as leis de cada país.
  5. O presente artigo não impedirá que se submeta a restrições legais o exercício desses direitos pelos membros das forças armadas, da política ou da administração pública.
  6. Nenhuma das disposições do presente artigo permitirá que os Estados Partes da Convenção de 1948 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à liberdade sindical e à proteção do direito sindical, venham a adotar medidas legislativas que restrinjam – ou a aplicar a lei de maneira a restringir as garantias previstas na referida Convenção.

III – Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos[8]

Adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas por meio da Resolução 2200 de 1966 e aprovado pelo Congresso Nacional, entra em vigor no Brasil por meio do Decreto n.o 592 de 6 de julho de 1992. Consta:

Artigo 21º: O direito de reunião pacifica será reconhecido. O exercício desse direito estará sujeito apenas às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem pública, ou para proteger a saúde ou a moral pública ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

Artigo 22º: 1. Toda pessoa terá o direito de associar-se livremente a outras, inclusive o direito de construir sindicatos e de a eles filiar-se, para a proteção de seus interesses.

  1. O exercício desse direito estará sujeito apenas ás restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança e da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas. O presente artigo não impedirá que se submeta a restrições legais o exercício desse direito por membros das forças armadas e da polícia.

Artigo 25º: Todo cidadão terá o direito e a possibilidade, sem qualquer das formas de discriminação mencionadas no artigo 2 e sem restrições infundadas:

  1. a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos;
  2. b) de votar e de ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a manifestação da vontade dos eleitores;
  3. c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.

IV – Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial

Aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas na Resolução n.o 2.106 em 1965, e aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n.o 65.810 de 1969, tem que:

Artigo 5º: De conformidade com as obrigações fundamentais enunciadas no artigo 2, Os Estados Partes comprometem-se a proibir e a eliminar a discriminação racial em todas suas formas e a garantir o direito de cada uma à igualdade perante a lei sem distinção de raça, de cor ou de origem nacional ou étnica, principalmente no gozo dos seguintes direitos:

  1. c) direitos políticos principalmente direito de participar às eleições – de votar e ser votado – conforme o sistema de sufrágio universal e igual direito de tomar parte no Governo, assim como na direção dos assuntos públicos, em qualquer grau e o direito de acesso em igualdade de condições, às funções públicas.
  2. d) Outros direitos civis, principalmente,

vii) direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião;

viii) direito à liberdade de opinião e de expressão;

  1. ix) direito à liberdade de reunião e de associação pacífica;
  2. e) direitos econômicos, sociais e culturais, principalmente:
  3. ii) direito de fundar sindicatos e a eles se filiar;
  4. f) direito de acesso a todos os lugares e serviços destinados ao uso do público, tais como, meios de transporte hotéis, restaurantes, cafés, espetáculos e parques.

V –  Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho[9]

Adotada durante a 86ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, em 1998, aponta que:

  1. Declara que todos os Membros, ainda que não tenham ratificado as convenções aludidas, têm um compromisso derivado do fato de pertencer à Organização de respeitar, promover e tornar realidade, de boa fé e de conformidade com a Constituição, os princípios relativos aos direitos fundamentais que são objeto dessas convenções, isto é: a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; c) a abolição efetiva do trabalho infantil; e d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.

VI – Convenção n.97 da Organização Internacional do Trabalho sobre Trabalhadores Migrantes[10] Aprovada na 32ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho de 1949, e aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo no 20 de 1965, tem que:

Artigo 6º: 1.Os Membros para os quais a presente Convenção esteja em vigor obrigam-se a aplicar, sem discriminação de nacionalidade, de raça, de religião ou de sexo, aos imigrantes que se encontrem legalmente nos limites do seu território um tratamento que não seja menos favorável que aquele que é aplicado aos seus próprios nacionais no que diz respeito às seguintes matérias: a) Na medida em que estas questões sejam reguladas pela legislação ou dependam das autoridades administrativas: i)A remuneração, incluídos os subsídios familiares quando esses subsídios fazem parte da remuneração, a duração do trabalho, as horas extraordinárias, os feriados pagos, as restrições a trabalho feito em casa, a idade de admissão ao trabalho, a aprendizagem e a formação profissional e o trabalho das mulheres e adolescentes; ii) A filiação nas organizações sindicais e o gozo das vantagens oferecidas pelas convenções colectivas.

VII – Convênio n.98 Sobre o Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva[11]

Adotado pela 32ª reunião da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho em 1949, e aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo no 49 de 1952, tem que:

Artigo 1º: 1. Os trabalhadores deverão gozar de adequada proteção contra todo ato de discriminação que comprometa a liberdade sindical em relação ao seu emprego. 2. Essa proteção deverá exercer-se especialmente contra todo ato que tenha como objetivo (a) sujeitar o emprego de um trabalhador à condição de que não se afilie a um sindicato ou a deixar de ser membro de um sindicato; (b) despedir um trabalhador ou prejudicá-lo de qualquer forma por causa de sua filiação sindical ou de sua participação em atividades sindicais fora das horas de trabalho ou, com o consentimento do empregador, durante as horas de trabalho.

Artigo 3º: Deverão ser criados organismos adequados às condições nacionais, quando for necessário, para garantir o respeito ao direito de sindicalização definido nos artigos precedentes.

VIII – Convenção n.o 136 de Proteção de Representantes de Trabalhadores[12]

Aprovada pela 56ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho de 1971, foi aprovada no Brasil pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo no 86 de 1989. Figura:

Artigo 1º: Os representantes dos trabalhadores na empresa devem ser beneficiados com uma proteção eficiente contra quaisquer medidas que poderiam vir a prejudicá-los, inclusive o licenciamento(*), e que seriam motivadas por sua qualidade ou suas atividades como representantes dos trabalhadores sua filiação sindical, ou participação em atividades sindicais, conquanto ajam de acordo com as leis, convenções coletivas ou outros arranjos convencionais vigorando.

IX – Convenção no 151 e a Recomendação n.o 159 da Organização Internacional do Trabalho Sobre as Relações de Trabalho na Administração Pública de 1978[13]

Promulgadas pelo Decreto no 7.944 de 2013, tem que:

Artigo 4º: 1. Os trabalhadores da Administração Pública devem usufruir de uma proteção adequada contra todos os atos de discriminação que acarretem violação da liberdade sindical em matéria de trabalho.

Artigo 9º: Os trabalhadores da Administração Pública devem usufruir, como os outros trabalhadores, dos direitos civis e políticos que são essenciais ao exercício normal da liberdade sindical, com a única reserva das obrigações referentes ao seu estatuto e à natureza das funções que exercem.

X – Consta nos Princípios e Diretrizes do Marco Multilateral da Organização Internacional do Trabalho de 2007[14] para as Migrações laborais que:

8.4. Se deve adotar, aplicar e cumprir leis e políticas destinadas a: 8.4.1. Garantir aos trabalhadores e às trabalhadoras migrantes o direito de liberdade sindical, em conformidade com o Convênio 87 e, em caso de afiliação a sindicatos, o direito de ocupar cargo nessas organizações, proteger-lhes contra discriminação baseada em suas atividades sindicais, conforme o Convênio 98, e garantir a observância desses direitos por parte das organizações de empregadores e trabalhadores.

XI – Convenção Americana de Direitos Humanos[15] de 1969, promulgada no Brasil pelo Decreto no 678 de 6 de novembro de 1992, tem que:

Artigo 15º: É reconhecido o direito de reunião pacífica e sem armas. O exercício desse direito só pode estar sujeito às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança nacional, da segurança ou ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

Artigo 16º: 1. Todas as pessoas têm o direito de associar-se livremente com fins ideológicos, religiosos, políticos, econômicos, trabalhistas, sociais, culturais, desportivos ou de qualquer outra natureza.

  1. O exercício desse direito só pode estar sujeito às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança nacional, da segurança e da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas

Artigo 23º: 1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:

  1. a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos;
  2. b) de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a livre expressão da vontade dos eleitores; e
  3. c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.
  4. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades, a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivo de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal.

XII – Dentre os países do MERCOSUL, a XII Reunião Ordinária de Ministros do Exterior, que resultou no Projeto de Acordo no 14 de 2002 sobre Residência para os Nacionais dos Estados Parte, Bolívia e Chile[16] tem que:

Artigo 9º: Os nacionais das Partes e suas famílias, que houverem obtido residência, nos termos do presente Acordo, gozarão dos mesmos direitos e liberdades civis, sociais, culturais e econômicas dos nacionais do país de recepção, em particular o direito a trabalhar e exercer toda atividade lícita, nas condições que dispõe as leis; peticionar às autoridades; entrar, permanecer, transitar e sair do território das Partes; associar-se para fins políticos e professar livremente seu culto, conforme as leis que regulamentam seu exercício.

  1. Conclusões finais

O ato fundamenta-se em dispositivos legais claramente contrários à Constituição Federal e aos compromissos assumidos pelo Brasil em matéria de direitos humanos, expressos, entre outros, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Mostra-se, deste modo, simultaneamente incompatível com a Constituição Federal e inconvencional.

A Constituição Federal estabelece, no capítulo sobre os Direitos Políticos, artigo 14, que os estrangeiros não podem alistar-se como eleitores. Esta é a única restrição de direitos aos estrangeiros, em relação aos brasileiros feita pela CF-88. O Constituinte, na verdade, reconheceu expressamente no art. 5º todos os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal aos estrangeiros, posição já reiterada pelo Supremo Tribunal Federal em diversas ocasiões.

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (…)”

Na lista de direitos garantidos neste artigo se encontram o direito à “livre manifestação do pensamento”, à “livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença e a “plena a liberdade de associação para fins lícitos”.

É notória a necessidade de a sociedade civil ser ouvida na elaboração de uma nova legislação sobre migrações que seja compatível com padrões nacionais e internacionais e garantista de direitos humanos.

Assim, fica evidente a incompatibilidade do Estatuto do Estrangeiro com a atual Constituição, considerando a série de violações previstas nele, tais como suas restrições ao direito de participação política e sindical.

São Paulo, 31 de maio de 2016.

Assinam essa nota

Cáritas Arquidiocesana de São Paulo

Centro de Estudios Legales y Sociales – CELS

Conectas Direitos Humanos

Grupo de Trabalho sobre Presxs Estrangeirxs da Defensoria Pública da União de São Paulo

Instituto Terra, Trabalho e Cidadania

Missão Paz

Serviço Franciscano de Solidariedade

Equipe de Base Warmis – Convergência das Culturas

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Contamos com o apoio de organizações e indivíduos que lutam pelos direitos das pessoas migrantes no Brasil. Para apoiar a nota envie email para comunica@ittc.org.br com o nome da instituição e email para contato.

 


[1] Disponível em: http://www.fenapef.org.br/nota-a-imprensa-estrangeiros-que-participarem-de-atos-politicos-podem-ser-detidos-e-expulsos-do-pais/

[2] BARALDI, Camila. Brasil: Informe sobre a legislação migratória e a realidade dos imigrantes, São Paulo, Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante, 2011.

[3] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6815.htm

[4] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

[5] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6815.htm

[6] Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm

[7] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm

[8] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm

[9] Disponível em: http://www.ilo.org/public/english/standards/declaration/declaration_portuguese.pdf

[10] Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/node/523

[11] Disponível em: http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C098

[12] Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/node/489

[13] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Decreto/D7944.htm

[14] Disponível em: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—ed_protect/—protrav/—migrant/documents/publication/wcms_178678.pdf

[15] Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm

[16] Disponível em: http://www.mercosur.int/innovaportal/v/383/1/secretaria/busqueda_avanzada