Após mais de dez anos como primeiro-ministro, político islamista e conservador chega à chefia de Estado. Objetivo é mudar Constituição e dar mais poderes ao cargo, que na Turquia tem funções apenas cerimoniais.

Diante de milhares de partidários em Ancara, foi com um apelo por um “novo entendimento social” e por um trabalho mais próximo entre chefes de Estado e de governo que Recep Tayyip Erdogan celebrou a vitória nas eleições presidenciais. “Eu quero ser um presidente que, com todo o coração, abraça 77 milhões de pessoas”, afirmou.

Como primeiro-ministro, Erdogan já está no poder há mais de uma década. E sua vitória na eleição para presidente – a primeira por voto direto da história turca – abre caminho para mudanças na forma de governo no país. Ele e seu partido, o Justiça e Desenvolvimento (AKP), querem dar mais poderes executivos ao presidente, que na Turquia tem funções mais cerimoniais.

Para mudar a Constituição, o AKP, que venceu todas as eleições no país desde 2002, precisa ampliar sua bancada no Parlamento. Caso consiga, praticamente nada poderia frear Erdogan, político de orientação islamista e conservadora.

E uma eventual ampliação de poderes preocupa a oposição, que teme um desgaste ainda maior dos valores democráticos na Turquia. “Graves injustiças devem ser temidas”, escreveu Hasan Cemal, colunista crítico do governo, em um artigo para o portal T24.

Atenção voltada para o partido
Erdogan recebeu cerca de 52% dos votos. Se a porcentagem se repetisse nas eleições legislativas de 2015, não seria suficiente para uma mudança constitucional. Segundo o pesquisador Murat Gezici, a participação de 75% também se mostrou um obstáculo para Erdogan: o premiê turco afirmou antes da eleição que esperava 90% dos eleitores nas urnas e 57% dos votos.

Na eleição, Erdogan se beneficiou da fraqueza de seu principal concorrente, Ekmeleddin Ihsanoglu, que foi o candidato conjunto do secular Partido Republicano (CHP) e do Partido do Movimento Nacionalista (MHP).

De acordo com análises da imprensa local, muitos eleitores do MHP deram seu voto a Erdogan, enquanto a maioria dos partidários do CHP simplesmente optou por ficar em casa no dia da eleição.

Depois da eleição, a atenção de Erdogan se voltará primeiramente para o seu próprio partido. O AKP precisa de um novo presidente, e o governo de um novo primeiro-ministro, já que na Turquia o chefe de Estado tem que abandonar ambos os cargos antes de sua posse.

Os opositores de Erdogan partem do princípio que ele vai colocar pessoas de confiança nesses cargos. O novo homem no comando de partido e do governo terá principalmente a tarefa de liderar o AKP nas eleições parlamentares.

Possível eleição antecipada
O pleito está marcado para junho de 2015. Pela primeira vez desde a sua fundação, em 2001, o AKP terá que sobreviver uma campanha eleitoral sem a sua principal figura, Erdogan. Por isso, analistas políticos não descartam perdas para o partido governante, ainda que, em 2011, ele tenha conseguido quase 50% dos votos.

Sahin Alpay, cientista político da Universidade Bahcesehri de Istambul e crítico de Erdogan, acredita que o novo presidente poderá antecipar as novas eleições. Até agora, Erdogan desmentiu as inúmeras especulações na imprensa turca sobre uma eleição parlamentar ainda neste ano.

“Erdogan quer impor as suas almejadas mudanças constitucionais o mais rápido possível”, diz o especialista. O objetivo é, portanto, garantir ao menos 330, de um total de 548 assentos, para o AKP no Parlamento – atualmente o partido possui 313.

Com essa maioria de três quintos, o partido poderia iniciar um referendo sobre as mudanças na Constituição, que seriam necessárias para a introdução de um sistema que dê mais poderes ao presidente que ao primeiro-ministro.

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