Em entrevista à DW, jornalista americano afirma que, além da questão da privacidade, ajudou a detonar escândalo envolvendo a espionagem da NSA como forma de alimentar discussão sobre o papel da imprensa.

Em entrevista exclusiva à Deutsche Welle, o jornalista Glenn Greenwald, responsável pelas primeiras reportagens com as denúncias sobre a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA), afirmou que vem sendo hostilizado pela grande mídia, que, segundo ele, serve aos interesses dos governos.
Ao publicar no jornal The Guardian documentos secretos vazados pelo ex-agente da NSA Edward Snowden e gerar um dos maiores escândalos envolvendo o governo americano, Greenwald conta que tinha como objetivo também provocar um debate sobre o papel do jornalismo.

Atualmente vivendo no Rio de Janeiro, o jornalista lançou o livro Sem lugar para se esconder. Ele elogia o governo brasileiro, que segundo ele tem sido “extremamente favorável” à sua “produção jornalística”, e agradece pelo apoio recebido de diversas autoridades do país.

DW:Você tem sido atacado na mídia por aqueles que você vem chamando de “jornalistas chapa branca”. O New York Times, por exemplo, acaba de publicar uma resenha sobre seu livro que muitos consideraram injusta. Como responder a esses ataques feitos por colegas de profissão?
Glenn Greenwald:Quando comecei a trabalhar no caso NSA, eu tinha consciência de que não estávamos apenas levantando um debate sobre vigilância, privacidade e sigilo. Estaríamos também despertando um debate sobre jornalismo. Eu sabia que, quanto mais agressivos nós nos apresentássemos com relação ao caso, quanto mais documentos nós revelássemos, mais nós despertaríamos a fúria de alguns jornalistas, porque nós estávamos ignorando as regras não escritas que eles obedecem e porque estávamos ficando mais contrários ao governo.
Muitos desses jornalistas enxergam o mundo através do prisma do governo, sobre o qual eles deveriam exercer a supervisão. Eles se identificam com as pessoas que estão no poder. Eu já os vi fazer isso repetidamente. Eles consideram as pessoas que efetivamente estão fazendo jornalismo e prezando pela transparência como verdadeiros inimigos. Por isso essas coisas não me surpreenderam. Isso foi algo que eu busquei, porque eu queria levantar esse debate.

Alguma vez algum de seus críticos na mídia chegou a voltar atrás e a pedir desculpas?
Se esses jornalistas estivessem apenas sendo contrários, porque isso é quem eles são e o que eles fazem, eu estaria contente com isso. Eu não preciso de cuidado especial. Se eles estivessem tratando todos os agentes do governo que eles rotineiramente entrevistam da mesma maneira com que me tratam, eu não teria qualquer problema isso. Eu já participei de entrevistas na BBC que foram extremamente ásperas e, assim que eu terminei, eles trouxeram algum ex-diretor do serviço de inteligência britânico (GCHQ), ou algum representante da segurança nacional, e eles praticamente rastejaram no chão da maneira mais subserviente possível. O contraste não podia ser mais claro. Assim você vê qual é a verdadeira missão jornalística deles – acomodar aqueles que estão no poder e ser hostil a quem se opõe. Então, não, ninguém me escreve depois para pedir desculpas porque eles simplesmente estão cumprindo a função que escolheram exercitar na vida, que é servir a quem está no poder.

Atualmente você mora no Brasil. O governo brasileiro comprometeu-se de alguma maneira com a sua proteção?
O governo brasileiro tem sido extremamente favorável à minha produção jornalística a partir do Brasil. O Senado aprovou a garantia de segurança federal em nossa casa. Vários agentes públicos têm dado apoio de todas as maneiras. Quando meu parceiro [o brasileiro David Miranda] foi detido em Londres, os mais altos agentes do governo foram bem ativos para encontrá-lo no aeroporto de Heathrow, e depois para a libertação dele. Eles têm apoiado o trabalho que estamos fazendo de todas as formas. Quando a [cineasta] Laura [Poitras] e eu fomos para os EUA há um mês, sabíamos que seria um risco, mas fizemos isso por princípio. Não achávamos que eles fariam alguma coisa, mas eles teriam a chance. Esse é o tipo de luta em que você tem que acreditar no objetivo daquele seu trabalho.

Como foi voltar para os EUA pela primeira vez desde que o caso NSA-Snowden veio à tona?
A Laura foi detida dezenas de vezes durante os muitos anos que ela trabalhou nesses filmes sobre a ocupação americana no Iraque. Se ela fosse ser detida, as autoridades fariam um anúncio antes do desembarque de que todos os passageiros teriam que mostrar o passaporte antes de deixar o avião. Então, os agentes a encontrariam e a levariam. E isso é exatamente o que aconteceu com o David Miranda no Heathrow. Eles pediram que todos os passageiros mostrassem os passaportes, e todos mostraram até que eles encontraram o David e o levaram. Então nós meio que estávamos esperando por este anúncio para ter os passaportes à mão. E quando eles abriram o passaporte e não falaram nada, senti que era um bom sinal. Claro que havia alguma tensão, mas nós estávamos preparados para eventualidades. Foi tenso. Mas nós obviamente estávamos dispostos a voltar e a correr este risco.

Desde que os documentos do caso NSA vieram à tona, houve a chance de ter uma conversa franca e particular com pessoas do governo dos Estados Unidos?
Eu não passei muito tempo conversando com funcionários do governo americano. Meus advogados estavam tentando descobrir com eles se seríamos presos ou não com o nosso retorno. Propositalmente eles se recusaram a dar qualquer informação porque queriam que nós ficássemos nessa dúvida. Geralmente eu não participava das discussões que meus editores tiveram para publicar ou não certos documentos privados. Eles pediram que a NSA justificasse porque tais documentos não deveriam ser publicados. Mas eu não acho esse processo muito válido porque geralmente o que eles dizem é tão vago e mecânico que não provê informação alguma. Tive algumas conversas sobre matérias específicas que estava fazendo, quando ouvi o que eles tinham a dizer. Mas, de maneira geral, eu não tive esse tipo de conversa.

Após a queda da Alemanha Oriental, leste e oeste puderam olhar os arquivos da Stasi para saber que tipo de informação os alemães do leste estavam juntando. É possível imaginar o governo americano sugerindo uma iniciativa semelhante para que os americanos possam ver qual tipo de informação o governo dos EUA está coletando sobre eles?
Existe um ato de Liberdade de Informação que, teoricamente, deveria dar poderes para a pessoa ver os próprios arquivos. Mas há tantas isenções que este é um processo essencialmente sem sentido. Parte da reportagem que estamos fazendo agora é sobre como a NSA tem como alvo cidadãos americanos comuns e como essas informações são usadas. Talvez essa matéria responda essa questão.

Este artigo não está sob Licença Creative Commons e não pode ser reproduzido de nenhuma forma. O mesmo é válido para a foto.