O movimento de mulheres do Rio Grande do Sul, por meio de suas entidades, foi tomado de estarrecimento diante da denúncia sobre a realização de uma cesárea forçada no município de Torres nessa semana, fato que circulou pelas redes sociais, e posteriormente foi publicado em jornal de circulação nacional.

Segundo se sabe, a gestante ACLG, de 29 anos, após avaliação do seu estado gestacional na unidade hospitalar do município, decidiu aguardar em casa o momento de realizar seu parto. No entanto, inconformada com a decisão, e alegando que o feto estava em posição sentada, uma médica denunciou o caso ao Ministério Público e este solicitou liminar à justiça para realizar o procedimento necessário, a qual foi obtida. Levada por policiais militares ao Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, a gestante foi submetida à cirurgia para retirada do bebê, uma menina, sem o seu consentimento. Desta forma, os agentes envolvidos, contrariando todos os preceitos de humanização dos serviços de saúde, bem como os princípios do direito, entre os quais destacamos a razoabilidade, a preservação da dignidade humana e a intimidade, impingiram aquela mulher medida excessiva que afeta seus direitos fundamentais, sem qualquer amparo técnico assistencial ou mesmo jurídico.

Em função da gravidade desses fatos, solicitamos à Prefeitura Municipal de Torres, onde a usuária do SUS foi atendida e às autoridades sanitárias, a tomada de providência para sua completa elucidação, pois é flagrante o desrespeito ao direito da mulher de optar pela via de parto para dar à luz. Para nós, uma violação aos direitos reprodutivos, que consistem na possibilidade das pessoas poderem escolher, mediante a informação, como, quando, onde e em que condições ter ou não ter filhos. Estes direitos são amplamente reconhecidos pelas Nações Unidas e firmados pelo Governo Brasileiro em documentos nacionais. Por outro lado, o argumento utilizado pela justiça para a liminar se ancora no direito de primazia do nascituro, esse sim não reconhecido pela legislação brasileira.

Sabemos que no Brasil 55% dos partos realizam-se através de cesarianas, contrariando estatísticas internacionais e  a Organização Mundial da Saúde, que recomenda que esse percentual não passe de 15%.  Na rede privada estes números chegam a 84% dos partos (2013), segundo a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Isso se deve, segundo importantes estudos à “cultura da realização das cirurgias cesarianas”, a grande maioria desnecessária, não raro induzida pelos próprios médicos, e às oportunidades de realizar outros procedimentos cirúrgicos na mesma ocasião.

A pesquisa “Cesarianas desnecessárias: Causas, consequências e estratégias para sua redução”, realizada com usuárias do SUS e de planos privados de saúde, detectou, entretanto, que 70% das mulheres preferem o parto normal. Porém, baseadas no medo da dor do parto, da realização conjunta de laqueadura e o desconhecimento de métodos para aliviar a dor e facilitar o parto, acabam aceitando propostas de abreviar a gestação, alimentando o entendimento de gestação e parto como questões de doença e não de não como evento de saúde da vida das mulheres.

As consequências das cesarianas desnecessárias são as infecções decorrentes dos procedimentos inadequados, cicatrizes no útero e no corpo, maior tempo para recuperação, perda de autonomia e de participação no momento do nascimento do bebê e influem grandemente nas causas de mortalidade materna no Brasil. Este um grave problema de saúde pública que o país não tem conseguido vencer e vem sendo cobrado em ações como o Caso Alyne no Comitê Cedaw/ONU.

Vivemos tempos de avanço do conservadorismo, do controle da  vida das mulheres. Nossa sexualidade tem sido cada vez mais mercantilizada. Nosso corpo facilmente transformado  mercadoria para fomentar a sociedade capitalista patriarcal. A indústria da cesariana é uma exemplo significativo desse processo. Exigimos que o Estado adote condutas de responsabilização desta violação de direitos promovidas pelos seus agentes. Exigimos que a autonomia e a dignidade das mulheres, na qualidade de direitos fundamentais, conquistados a duras penas, esteja acima dos interesses e entendimentos individuais, que busquem de qualquer forma, submeter e apropriar-se das escolhas, dos corpos e das vidas das mulheres.

Reafirmamos: os direitos das mulheres são direitos humanos. A saúde reprodutiva é parte essencial dos direitos reprodutivos, devendo ser vivida na plenitude. Uma cesária forçada é uma violência obstétrica, contrariando todos os preceitos do parto humanizado. A violência contra as mulheres é uma violação aos direitos humanos.

Porto Alegre, 3 de abril de 2014

Marcha Mundial de Mulheres – RS

Rede Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos – Regional RS

Campanha Ponto Final na Violência Contra Mulheres e Meninas

 

Publicado no site da Marcha Mundial das Mulheres – http://bit.ly/1sxKsSm