Alta de 21,4 % nas emissões de gases de efeito estufa, liberação de usinas térmicas de carvão mineral e construção de novas usinas nucleares, os especialistas do governo federal estão na contramão da história

Por Heitor Scalambrini Costa, Professor da Universidade Federal de Pernambuco

 

Os especialistas da área energética do governo federal, inclusive a mais “famosa” e que ocupa o principal cargo público da nação, têm demonstrado o quanto suas decisões estão na contramão da história.

O Brasil, elogiado até então por contar na sua matriz elétrica com mais de 80% de sua geração com fontes renováveis de energia, em particular as hidroelétricas, não tem levado em conta a nova realidade do papel mundial das fontes renováveis de energia. Indo mesmo na direção contrária, conforme atestam os dados produzidos pelo próprio governo, e de decisões tomadas. Segundo o último inventário de emissões de gases de efeito estufa 2005-2010, lançado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI); houve no setor de energia uma alta das emissões no período, de 21,4%.

Com o mesmo discurso do desconhecimento do setor energético, a presidente repetiu a “chantagem” feita pelo seu antecessor. No passado recente foi dito que, ou se aceitava a construção de mega-hidrelétricas na Amazônia, ou teríamos que conviver com novas usinas nucleares. Agora o discurso proferido em abril último é de que, ou se constrói novas hidrelétricas ou aumenta-se a participação das termelétricas a combustíveis fósseis na geração energética.

Só que não dá mais para continuar a enganar ninguém, pois a opção declarada e escrita do governo federal, que consta no Plano Nacional de Energia 2030 (PNE), é de ofertar energia elétrica construindo mega-hidrelétricas, termelétricas a combustíveis fosseis e novas usinas nucleares.

Ao mesmo tempo, se concentra na indústria brasileira do petróleo (o maior vilão do efeito estufa) em torno de 2/3 dos investimentos feitos pelo país no setor energético.

Para alguns, a surpresa maior foi à portaria 137 de 30/4/2013 do Ministério de Minas e Energia (MME), liberando usinas térmicas a carvão mineral – a fonte de energia que mais libera CO2 entre todos os combustíveis fósseis, além de outros gases tóxicos, como o enxofre – a participar do leilão de energia elétrica A-5, programado para agosto próximo. O que contribuirá efetivamente para um aumento da participação desta fonte energética, que hoje corresponde a 1,5% da matriz elétrica do país. Ao mesmo tempo foi proibida a participação da energia eólica neste leilão.

Mesmo que a energia nuclear esteja sendo questionada mundialmente, devido aos riscos de acidentes, o Brasil irá investir R$ 850 milhões no setor, e ainda prevê a construção de um reator multipropósito. Além, dos R$ 10 bilhões na construção de Angra 3. No PNE esta previsto ainda até 2030, a construção de mais 4 usinas nucleares, sendo 2 no Nordeste, e mais 2 no Sudeste. Tudo isto com a defesa apaixonada pela energia nuclear do atual ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação (como seus antecessores já haviam feito), que chegou a declarar que a reativação do programa nuclear brasileiro para fins pacíficos é “um dos principais programas da pasta”, do qual ele “não abre mão”. Pode-se contrastar este depoimento, com o que falou o eminente físico Robert Oppenheimer, responsável pela construção da primeira bomba atômica, quando visitou o Brasil, em 1953: “Quem disser que existe uma energia atômica para a paz e outra para a guerra, está mentindo”.

O que acontece na área energética se assemelha ao “modus operandi” como as decisões e opções nefastas têm sido adotadas em outras áreas. Sem consulta e participação popular verificam-se decisões completamente autocráticas e descoladas dos anseios da maioria da população. Decisões que afetam não só as gerações atuais como as futuras.

Opções existentes e são apontadas por inúmeros documentos produzidos pela comunidade acadêmica e organizações não governamentais que militam na área energética. Por exemplo, o relatório O Setor Elétrico Brasileiro e a Sustentabilidade, lançado em novembro de 2012, mostra a potencialidade da energia solar e eólica no Brasil. Estas fontes são menosprezadas nas políticas públicas. Este documento aponta que, com as tecnologias atuais de energia solar, seria possível atender a 10% da demanda atual de energia elétrica do Brasil. No caso da energia eólica, o potencial inexplorado chega a 340 GW, quase três vezes o total da capacidade elétrica instalada atualmente no país.

Sem contar com outras medidas factíveis, como a implantação de programas de eficiência energética e redução de demanda. Segundo estudo da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia (Abesco), cerca de 10% do total consumido anualmente (430 TWh) são desperdiçados, volume superior ao consumido pelo total da população do estado do Rio de Janeiro, que alcança cerca de 36 TWh.

Alternativas existem, e daí a necessidade urgente de se discutir uma Nova Política Energética para o Brasil. Este assunto foi debatido em um seminário nos dias 23 e 24 de maio último em Brasília, promovido pelo Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social, e que teve ao seu final o lançamento de um documento assinado por mais de 40 organizações, instituições e pesquisadores presentes, intitulado “Mensagem a Sociedade Brasileira Por uma Nova Política Energética”. Neste documento a sociedade, os participantes não aceitam mais o modelo autocrático em que são tomadas as decisões, pregam a urgência na mudança de rumo no setor energético, exigindo ampla participação e controle social em uma área estratégica do país.