A iniciativa de viajar de trem se soma à Marcha Mundial carregada de forte simbolismo e personifica a idéia de valorizar o transporte ferroviário e instigar as autoridades a reabrir ao funcionamento a linha que liga Buenos Aires a Mendoza, e estender esse renascimento ao Trem Nacional, que percorria todo o país, até meados de 1990, e a partir daí, todas as outras linhas.
A rede ferroviária que sempre fez parte do cenário argentino, e tão importante para a economia nacional, foi desativada em função do arrefecimento do transporte rodoviário, afirma Raúl Alvarez, orientador do Movimento Humanista e presidente da Frente de Usuários Desesperados de Sarmiento – FUDESA.
Essa Frente realiza um trabalho incessante de denúncias do sucateamento dos trens, da deterioração física e psicológica dos passageiros, e vem conseguindo melhorias significativas na linha Sarmiento que leva milhares de trabalhadores ao centro de Buenos Aires.
Com essas ações constatou que esse fato não é um problema isolado da linha Oeste, mas de todo o país, que, além disso, está tendo seu espólio desmantelado.
Essa é a simbologia do trem para Mendoza, que transportará cerca de 900 pessoas em dez vagões, e fará o percurso em 30 horas, em um ambiente de festas e pronunciamentos: apresentações do Teatro Comunitário Nacional, de cantores, músicos, trovadores e paradas estratégicas em cidades que historicamente têm forte ligação com o transporte ferroviário e lutam pelo retorno do trem.
Todos os detalhes estão sendo analisados, desde a composição dos vagões com os jovens à frente, representando o futuro de uma nova consciência para o mundo, como filmagens, postos médicos, etc. Na ocasião, será lançado um boleto comemorativo para colecionadores com o símbolo da Marcha Mundial.
As cidades previstas para as paradas são Junin, Lincoln, Justo Darak, San Luís, Villa Mercedez e Mendoza. Nesses lugares estão agendados encontros com prefeitos, shows e festividades organizadas pelas comissões locais.
De acordo com estudiosos, o uso do trem como transporte nacional teve início em 1857, e a partir daí deu vida a inúmeras cidades, alimentou famílias e movimentou a economia do país, tornando-se fundamental no processo de crescimento e fortalecimento de suas regiões.
Agregado a esse trabalho da organização, Alvarez conta que descobriu histórias bonitas, mas dolorosas relacionadas ao transporte ferroviário e imagina que deve ser uma constante em todos os lugares do mundo.
“É um trabalho que muitas vezes e em várias cidades agregava toda uma família: o avô, o pai, os filhos, sobrinhos, todos com forte vínculo de vida com o trem, e quando ele foi desativado, todos sofreram um golpe duro. Em outras localidades, a interrupção do trabalho levou pessoas ao suicídio, pois toda sua vida havia sido em função do trem e sem ele não sabiam mais o que fazer e nada tinha mais sentido.”

O sucateamento dos trens, seguido do desmantelamento de toda a rede nacional deixou 820 cidades fantasmas. Foram vendidas infra-estruturas sem serem inventariadas e o fizeram favorecendo sempre o sindicato de transporte automotor, denuncia Alvarez.
Aliado à criação de fontes de trabalho, a utilização do trem como transporte apresenta muitas vantagens em comparação com os outros, enumera Alvarez. É o que causa menos impacto ambiental, o que pode cruzar todo tipo de região e estações, é econômico, rápido e acessível a todos, ou seja, muito mais democrático.
De acordo com ele, atualmente muitos jovens dessas famílias ou que se vêem encantados com os trens, compram máquinas, limpam estradas de ferro; com técnicos, reparam trilhos, intercomunicando trechos ferroviários e avançam na preservação sem o auxílio do governo. Há até museus vivos de trem, como em Hurlingham, por exemplo. “É uma força mística, hereditária, como um dom de família”, afirmou.
Para os viajantes, o trem chegará até a cidade de Mendoza, e os quilômetros restantes até Punta de Vacas serão feitos com auxílio de ônibus, também cedidos pela empresa de trem.