Por Vitor Taveira

O economista e ex-ministro equatoriano Alberto Acosta fala sobre as limitações socioambientais do extrativismo, adotados inclusive por governos progressistas da América Latina.

Economista e professor universitário, Alberto Acosta era ministro de Minas e Energias do Equador quando foi proposta uma das iniciativas mais inovadoras de perspectiva pós-extrativista no mundo: encaminhando a demanda de movimentos sociais, ele sugeriu ao presidente Rafael Correa a não exploração do petróleo em campos localizados em um dos parques naturais mais biodiversos do mundo, o Yasuní.

A iniciativa, que previa apoio internacional, acabou não indo à frente. O aprofundamento do modelo extrativista foi um dos fatores que fez com que Acosta, que antes havia sido presidente da Assembleia Constituinte − que resultou na avançada Constituição de 2008 com o apoio do governo −, se afastasse e se tornasse opositor de Rafael Correa, tendo sido candidato à presidência do Equador pela esquerda.

Em fevereiro deste ano, na ocasião do lançamento de seu livro “O Bem Viver: oportunidade para imaginar outros mundos”, depois de passar por Rio de Janeiro e São Paulo, ele também participou de um evento em Mariana (MG), onde, além de apresentar a obra, também pôde conhecer de perto a destruição social e ambiental provocada pelo rompimento da barragem da Samarco. Um ano depois desta tragédia, ele falou com a Calle2 sobre o modelo extrativista na América Latina – e possíveis alternativas.

No dia 5 de novembro se completa um ano do rompimento da barragem de rejeitos da Samarco, que contaminou o rio Doce no maior crime socioambiental do Brasil. Que lições podemos tirar deste trágico episódio?

É evidente que esta tragédia nos confirma os riscos e as ameaças que os extrativismos conlevam. A megamineração, em particular, provoca mega afetações e mega destruições. As amputações que se fazem ao planeta demandam obras de engenharia que não podem se sustentar no tempo.

Tenha em conta que os diques, carregados de milhões de litros de líquidos e materiais tóxicos, devem ser protegidos por décadas ou centenas de anos depois de concluída a extração dos minerais. São verdadeiras bombas de tempo que explodem cedo ou tarde, como aconteceu em Mariana.

A maior lição é não seguir aprofundando o modelo extrativista, e sim propor transições para ir desmontando-o a partir de transições nas estruturas de produção e consumo de nossas economias.  Isso demanda superar o discurso de quem lucra com o extrativismo, que tem permeado nossas sociedades. É urgente deixar o caminho do extrativismo.

‎Você inclusive esteve em Mariana vendo a tragédia de perto. Que impressões teve?

Já havia visto fotos da tragédia da Samarco. Achei que estava preparado para constatar os destroços ao vivo. Mas olhar diretamente a magnitude da destruição foi outra coisa. Mudou meu ânimo e meu semblante. Poucas vezes se pode ter uma impressão tão forte como ver um povoado desolado como Paracatu. E me impressiona pensar quantas pessoas vivem com tal ameaça em nome do progresso. O quadro diante dos meus olhos refletia uma expressão extrema do ‘Mal Viver’. De repente, sem aviso prévio, mudou a vida das pessoas de Paracatu. O que via ali me afetou extremamente. Era um lugar com uma natureza maravilhosa, onde antes a paz deve ter sido a norma e se instaurou subitamente uma paisagem de morte. Num abrir e fechar de olhos a vida desapareceu. Seus moradores apenas tiveram tempo de escapar do lodo tóxico que inundou tudo.

‘Até quando vamos tolerar tanta violência e crueldade resultantes da arte de mentir que sustenta este sistema que segue sendo colonial?, me pergunto. O que aconteceu para que os humanos, supostamente cada vez melhores informados, não reajamos diante de tanta devastação da vida?’
E tudo para que uns poucos sigam vivendo cada vez melhor a custo da exploração de grandes maiorias e da destruição da Terra.

Muitos pensadores latino-americanos falam em “neoextrativismo”. Em que este se diferencia do “extrativismo”?

Se poderia falar de um neoextrativismo relacionado às massivas e cada vez mais agressivas formas de extrair minerais ou petróleo. Isso sem desconhecer outras formas de extrativismo, seja através dos monocultivos, plantações florestais ou corte de bosques nativos, por exemplo.

A característica dos extrativismos atuais radica cada vez mais, mas não exclusivamente, no gigantismo. Se obtém recursos naturais não renováveis em volumes altos e com frequência utilizando procedimentos intensivos, que exigem carregar pesadas “mochilas” socioambientais. Seus impactos sociais, ambientais e culturais são enormes nos territórios afetados. E os recursos obtidos se processam de maneira muito limitada para logo serem exportados.

‘Há que ter em conta que muitos recursos que eram renováveis se tornam não renováveis pela forma que são obtidos, como acontece com os bosques e a pesca.’
Inclusive a extração artesanal de ouro configura forma terrível de extrativismo, como acontece em Madre de Dios no Perú, pra mencionar um caso de uma lista muito longa.

‎Qual a relação deste modelo neoextrativista com os governo progressistas da América Latina?

Realmente se fala também de neoextrativismo quando se refere aos países com governos progressistas, onde se registra uma maior presença do Estado. Ali se conseguiu um maior controle estatal dos recursos, uma maior participação na renda mineira, petroleira ou agrária, assim como a intervenção, em alguns casos, de empresas estatais. Entretanto, nestes países não se colocou em questionamento a lógica extrativista, e menos ainda a modalidade primário-exportadora que caracteriza nossas economias e que explica em grande medida nossa dependência e nosso subdesenvolvimento.

‎Leia artigo completo na Calle2

O artigo original pode ser visto aquí