Por Vitor Taveira

No povoado-vítima do mais emblemático massacre das Farc, 95% dos votantes aprovaram o acordo de paz; presidente Santos doará prêmio para projetos em favor das vítimas.

Ao menos sete barcos navegam pelo rio Atrato trazendo 250 paramilitares, passando sem registros ou incidentes por três postos de controle do Estado colombiano. Entram no pequeno povoado de Bellavista, centro do município de Bojayá, onde em seus arredores se encontram blocos guerrilheiros das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

Depois de dias de tensão, o confronto. No centro do povoado, os paramilitares das AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia). Do outro lado da ponte que ligava um pequeno riacho ao povoado, a guerrilha. A população civil, de origem negra e indígena, sai de suas casas de madeira e corre para se proteger do tiroteio na igreja e outros dois centros religiosos − das poucas construções de cimento da região.

Um, dois, três, quatro. Quatro cilindros-bombas são disparados pelas Farc em poucas horas em direção ao povoado tomado pelos paramilitares. Bum! Bum! Dois deles explodem, o primeiro caindo sobre o altar da igreja principal do povoado, onde se encontravam cerca de 200 pessoas. Setenta e nove civis mortos, corpos mutilados, dezenas de feridos, alguns incapazes de se mover em meio aos escombros e feridas.

Liderados pelo padre, sobreviventes atônitos, ensurdecidos, ensanguentados, correm da igreja em meio ao fogo cruzado em direção ao rio Atrato, buscando canoas para chegar à outra margem e se proteger do confronto. Levantam panos, camisas, ou o que mais encontrarem de cor branca para assinalar que são civis desarmados fugindo do conflito.

Essa é a narrativa da guerra. A história aconteceu no dia 2 de maio de 2002. Bojayá, no departamento colombiano do Chocó, sofreu o mais emblemático massacre cometido pelas Farc.

Porque sim!

Num povoado pequeno, toda a população foi fortemente afetada. Leyner Palacios, membro do Comitê pelos Direitos das Vítimas de Bojayá, conta que perdeu 28 parentes e quatro grandes amigos. No momento do confronto, ele se refugiou na casa das freiras agostinianas, a poucos metros da igreja.

O crime não só ceifou a vida como também violou as tradições da comunidade local e sua forma de lidar com a morte. “Pela primeira vez os mortos foram enterrados em fossas comuns, sem realizar os rituais próprios de despedida, algo que não cabia na mentalidade do povo negro”, explica à Calle2. O Comitê aponta que, além das 79 vítimas fatais registradas oficialmente, há outras seis que não foram contabilizadas.‍

Leyner Palacios, membro do Comitê pelos Direitos das Vítimas de Bojayá, perdeu 28 parentes e quatro amigos no massacre de 2002. Imagem Calle2

Leyner Palacios, membro do Comitê pelos Direitos das Vítimas de Bojayá, perdeu 28 parentes e quatro amigos no massacre de 2002. Imagem Calle2

O que seguiu ao massacre foi uma onda de “desplazamento” − centenas de pessoas abandonaram o local e buscaram refúgio em cidades próximas, especialmente em Quibdó, capital do departamento. Mas não foi apenas um momento de terror, o conflito permeia antes, durante e depois daquele trágico 2 de maio.

O que esperar dessa população que tanto sofreu e ainda sofre? Ódio? Vingança? Rancor?

Nas urnas do local no último dia 2 de outubro uma resposta contundente da comunidade aos acordos de paz entre Farc e governo colombiano: 95,78% dos votantes em Bojayá disseram ‘Sim’ ao acordo que prevê que as Farc deixem as armas e se tornem um movimento político.

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