Por Luciana Taddeo/Calle2

Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores, reprova retórica exagerada da Venezuela, mas lamenta que países-membros não insistam no diálogo e na mediação.

A premissa de quem não ajuda não deve atrapalhar parece nortear a visão de Celso Amorim, o ex-ministro das Relações Exteriores de Luiz Inácio Lula da Silva e ex-ministro da Defesa de Dilma Rousseff, sobre os altos decibéis da troca de acusações entre os países-membros do Mercosul. Segundo o calendário oficial, a presidência do bloco corresponderia à Venezuela. Mas Argentina, Brasil e Paraguai se negam a passar a presidência a Caracas utilizando argumentos como a demora na adequação às normas do bloco e violações aos direitos humanos no país de Maduro.

A chancelaria venezuelana acusou os três países de “reeditar uma espécie de Operação Condor” (aliança de ditaduras da região para perseguir opositores) contra o país; por sua vez, José Serra, o chanceler interino brasileiro, afirmou que a Venezuela não é uma democracia.

“Se começarmos a adotar posições extremadas, de condenação, nos desqualificamos para ajudar. Não é que tenha que ser neutro, mas entendendo que para poder ajudar, não se pode adotar uma atitude que leve ao isolamento, o que só cria mais radicalismo”, diz Amorim em entrevista exclusiva à Calle2 na última quinta-feira, durante passagem por Buenos Aires. Ele reprova a retórica exagerada da Venezuela, mas afirma que Brasília aparenta não querer atuar como mediador, e que o caminho para uma solução é o diálogo, e não a condenação. O diplomata defende ainda que se passe a presidência do bloco à Venezuela em troca de contrapartidas.

Sobre a afirmação do chanceler interino José Serra, que ao assumir disse que o Itamaraty já não refletirá preferências ideológicas de um partido político e aliados, Amorim evidencia a ironia: “Ideologia sempre é a dos outros. A nossa é a boa doutrina, a dos outros é ideologia”.

Ele diz que não houve nada de ideológico na inserção da Venezuela ao Mercosul. “Tem um cunho estratégico, econômico, de acesso ao Caribe”. E espera ajuda do papa Francisco para ajudar no conflito – e na complexa situação venezuelana.

O Brasil desempenhou, nos últimos anos, um papel de mediador de conflitos na região. O senhor acha que, com a nova orientação da chancelaria, pode-se perder esse reconhecimento no cenário internacional?

Para atuar como mediador tem que haver duas condições: uma é ter características específicas que facilitem ser mediador, que o Brasil tem e continuará a ter; a segunda é querer.

Pelas ações que têm sido tomadas, não me parece que o Brasil queira ser mediador, porque um requisito essencial para poder atuar como mediador é evitar condenações e expressões muito radicais para manter o diálogo com as partes que estão no conflito.
Isso é o que me preocupa. Pode ser que mude. Muita coisa que foi dita já parece ter alguma modulação. Também não sabemos o que vai acontecer com o impeachment [da presidente afastada Dilma Rousseff], mas supondo que prevaleça, vamos ver se as coisas evoluem.

Qual é a vantagem da Venezuela no Mercosul?

Eu costumava dizer que você vai das geleiras antárticas ao Caribe, isso é uma situação geográfica que nenhuma outra região tem, com todos os climas e todo o tipo de biodiversidade. Obviamente, a Venezuela é um país importante, que pode estar passando por uma crise agora, mas tem uma história. A revolução do [falecido presidente Hugo] Chávez inicialmente não foi contestada, o próprio governo [do Fernando Henrique] Cardoso não quis condenar.

Agora estamos vivendo uma situação realmente muito difícil, acho que há erros dos vários lados, mas a solução não pode ser isolar, condenar e inviabilizar o diálogo.
Há um esforço do ex-presidente [colombiano, Ernesto] Samper, secretário-geral da Unasul [União de Nações Sul-Americanas] e de outros ex-presidentes, e lamento que os países do Mercosul, pelo menos Brasil ou Paraguai − acho que a Argentina está um pouquinho mais cuidadosa − se inviabilizem como potenciais mediadores.

A Unasul tem algumas propostas, e eu espero que a Venezuela perceba que isso é importante pra ela, para uma reforma econômica, terminando com as taxas múltiplas de câmbio e criando uma compensação através de um programa tipo Bolsa Família.

Oxalá também haja apoio da Santa Sé. Temos um papa que tem tido muito boa ação internacional, que ajudou no reestabelecimento de relações entre Cuba e Estados Unidos. Então por que não ajudar também na pacificação da Venezuela? O papa Francisco seguramente tem uma sensibilidade especial para isso, de modo que eu tenho esperança. Agora, acho que os outros países que talvez não tenham tanta condição de ajudar, pelo menos que não atrapalhem com ações que radicalizem a situação.

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