Samir Oliveira*, especial para o Jornalismo B

É assustador o silêncio na mídia brasileira, tanto a tradicional quanto a contra-hegemônica, a respeito dos protestos estudantis no Paraguai. Há pelo menos dois meses o país vive em ebulição por conta das manifestações de alunos das redes pública e privada do Ensino Médio e das universidades.

Tampouco na imprensa paraguaia é fácil obter informações a respeito do movimento dos estudantes. A maioria das notícias são extremamente rasas, com poucas informações e uma cristalina blindagem ao governo paraguaio, comandado por Horácio Cortes, do Partido Colorado.

Os estudantes paraguaios já conseguiram nada menos do que a prisão do ex-reitor da Universidade Nacional de Assunção (UNA), a maior e mais importante do país. Froilán Peralta, eleito há menos de um ano para o cargo, está sendo acusado pelo Ministério Público de nomear 23 membros de sua família para importantes cargos na Reitoria da UNA e nas direções das 12 faculdades que a instituição possui.

O caso conta, inclusive, com alguns detalhes que seriam cômicos, se não fossem trágicos. Durante uma das ocupações da Reitoria da UNA, os estudantes flagraram a diretora do departamento de Recursos Humanos da universidade tentando fugir do campus em uma caminhonete cheia de documentos. Desesperada ao ser flagrada e detida pelos jovens – que rapidamente acionaram o Ministério Público –, ela teria começado a comer alguns documentos, enquanto outros já teriam sido queimados.

Cinco mil estudantes lotam as ruas de Assunção, ocupam o campus central da UNA, permanecem sentados em frente à sede do Ministério da Educação e se mobilizam durante semanas, mas nenhuma resposta concreta foi dada ainda pelo governo Paraguaio. Durante um dos protestos em frente ao Ministério da Educação, a ministra Marta Lafuente, foi até os jovens para distribuir-lhes flores. Acabou ouvindo um sonoro e unificado reclamo: “Não queremos flores, queremos educação de qualidade”.

O presidente Horácio Cartes, empresário ligado à fabricação de cigarros e dirigente futebolista do clube Libertad, recebeu os estudantes em seu gabinete, em um ato que serviu apenas como peça de propaganda para o governo. A principal reivindicação dos jovens é o investimento de 7% do PIB em Educação. Atualmente, o Paraguai investe apenas 3,5%. E a proposta de Cartes é elevar o orçamento para 6,4% até 2018.

Os estudantes não aceitaram a enrolação do governo e seguem nas ruas, protestando de forma criativa e contundente. A pauta de reivindicações não se esgota na demanda por mais investimentos. O que está em jogo a própria democracia e autonomia do sistema educacional do país. Uma das consignas do movimento dos estudantes é “´No mas seccionales en las Facultades”.

No Paraguai, a palavra “seccionales” se refere às direções regionais e municipais dos partidos políticos, especialmente das duas siglas que dominam a política no país: Colorados e Liberais. Os estudantes denunciam que as universidades se tornaram verdadeiros diretórios partidários de Colorados e Liberais, que loteiam os cargos de direção com apadrinhados políticos, corruptos e pessoas de competência técnica questionável. Um dirigente estudantil chegou a dizer que em uma faculdade da UNA a direção gastou o equivalente a cerca de R$ 300 mil para comprar cortinas novas para o departamento, enquanto os laboratórios receberam um investimento de R$ 200 mil.

Os epicentros da mobilização atualmente giram em torno das escolas de Ensino Médio, tanto públicas quanto privadas, e das faculdades de Filosofia e de Ciências Agrárias da UNA. Os estudantes paraguaios buscam, no fundo, acabar com a herança “stroessnerista” que está impregnada em todas as instituições do país – e na educação não é diferente. Essa herança traz consigo elementos de ausência de gestão democrática nas escolas e universidades, intensa interferência política e perseguição implacável aos alunos e professores que se manifestam contra essa situação.

Alfredo Stroessner foi um dos ditadores que mais tempo permaneceu encrustado no poder na América do Sul. Governou o Paraguai com mãos de ferro de 1954 a 1989, depois recebeu um asilo dourado no Brasil, onde acabou falecendo. Assim como o Brasil, o Paraguai nunca fez uma transição plenamente democrática e ainda preserva, talvez em um nível ainda mais profundo, estruturas políticas, decretos e regulamentos do período de Stroesssner – que, aliás, era do mesmo Partido Colorado do atual presidente Horácio Cartes.

A luta dos estudantes paraguaios não começou no último mês. Ela vem de um histórico de mobilizações que teve momentos marcantes, como as marchas e ocupações de reitorias em 2012 e os protestos contra a demissão de professores críticos ao governo na Faculdade de Filosofia da UNA, em 2013. Naquele ano, uma ocupação da direção da Faculdade acabou com 52 alunos e um professor sendo processados pela Justiça.

María José Lacarruba escreveu ao periódico alternativo paraguaio E’a que “houve uma longa noite antes que se pudesse ver os primeiros raios de sol” na luta estudantil no país. Agora, não restam dúvidas: os protestos do último mês e a disposição e luta dos estudantes demonstra que a primavera, enfim, chegou a Assunção.

*Jornalista, militante do GEMIS e pós-graduando em Relações Internacionais pela UFRGS.

Fonte: Jornalismo B

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