Em Roma, representantes de 150 países e organizações internacionais debatem medidas para lidar com a subnutrição e a desnutrição, que atingem cerca de 2 bilhões de pessoas. Obesidade, novo problema global, também é tema.

O balanço apresentado pela anfitriã da segunda Conferência Internacional sobre Nutrição (ICN2), que começa nesta quarta-feira (19/11) em Roma, é uma espécie de balde de água fria. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) aponta poucos avanços desde a primeira e única conferência sobre a situação alimentar no mundo, realizada em 1992.

Assim como naquela época, hoje cerca de 800 milhões de pessoas vão dormir diariamente com fome e ingerem poucas calorias permanentemente. Entretanto, de 1992 para cá, a população mundial passou de 5,5 bilhões para 7 bilhões.

Houve, portanto, uma queda na proporção da fome em relação ao total de pessoas.

Além da fome, outro 1,2 milhão de pessoas sofre de desnutrição, segundo a FAO. Apesar de consumirem calorias suficientes para se sentirem satisfeitas, sua dieta é pobre em vitaminas e minerais importantes, o que pode resultar em cegueira ou anemia, por exemplo.

A desnutrição afeta principalmente mulheres e crianças com menos de cinco anos, segundo um relatório divulgado pela FAO. Para a diretora para Nutrição da agência, Anna Lartey, houve progressos mensuráveis nos últimos 22 anos, principalmente na China, mas o número de crianças subnutridas e desnutridas ainda é muito alto na África subsaariana, na Índia, no Paquistão e na Indonésia.

“Os avanços alcançados estão repartidos desigualmente. Ainda temos regiões com altos níveis de subnutrição e desnutrição. Agora, temos que assegurar que os avanços sejam obtidos numa frente ampla”, reforça Lartey.

Especialistas concordam que, teoricamente a quantidade de alimento produzida no mundo é suficiente para toda a população. No entanto, o cultivo onde há carência e a divisão da produção ainda são problemas não resolvidos.

Aspectos agravantes
A ONG Ação contra a Fome aponta que não somente os alimentos, mas também o acesso a um sistema de saúde funcional, à água limpa e ao saneamento básico são fundamentais para a situação nutricional.

Na Índia, por exemplo, o problema da desnutrição é agravado pelo fato de que 70% da população rural fazem suas necessidades ao ar livre, o que eleva o número de casos de doenças infecciosas, estomacais e intestinais. Segundo a organização, outros países em desenvolvimento enfrentam os mesmos problemas.

“Os conhecimentos sobre o que deve ser feito estão disponíveis. Por isso, não devemos perder tempo. Precisamos colocar todos a bordo para conseguir resultados. Esse é o objetivo da Conferência Internacional sobre Nutrição”, afirma Lartey.

Mais de 150 países e organizações internacionais enviaram representantes ao evento, que vai até esta sexta-feira. Numa “Declaração de Roma”, eles irão se comprometer a acabar com a fome e desnutrição no mundo. A declaração e seu plano de ação, no entanto, não são vinculantes à luz do direito internacional.

“A conferência não deve terminar com um catálogo de declaração de intenções, mas com um plano de ação claro”, exige o diretor executivo da ONG Ação Agrária Alemã, Wolfgang Jamann. Regras claras para a prestação de contas e responsabilidade também são importantes, completa Jamann.

Segundo a Ação contra a Fome, a falta de dinheiro não é o único problema. Governos precisam desenvolver vontade política e capacidade para combater a desnutrição, afirma a ONG e acrescenta que os efeitos das mudanças climáticas também devem ser levados em conta. As safras e, assim, a produção de alimentos podem ser prejudicadas nos próximos anos devido ao aumento de condições climáticas extremas.

Crianças e obesidade
As crianças são o tema central do evento em Roma. Os mil primeiros dias depois da fecundação, ou seja, durante a gravidez e os primeiros dois anos de vida, são decisivos.

Uma alimentação insuficiente nesse período tem consequências para a vida inteira. Frequentemente, crianças subnutridas se tornam pais desnutridos que têm, por sua vez, filhos desnutridos. Mais de 40% das mortes de crianças com menos de cinco anos estão relacionadas à sub- ou desnutrição, aponta Lartey.

A ONG Ação contra a Fome deseja que os anos entre 2016 e 2025 sejam declarados no mundo inteiro como a década da boa alimentação. Enquanto isso, a ONU quer que a erradicação da fome faça parte de seus futuros Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Lançados em 2000, eles deverão ser substituídos pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável em 2015.

Apesar de o combate à desnutrição e à subnutrição, que atingem 2 bilhões de pessoas no mundo, ser o foco central do evento em Roma, a FAO também destaca que a hipernutrição, ou seja, o consumo de calorias em excesso se tornou um problema global.

Cerca de 1,3 bilhão de pessoas no mundo estão acima do peso, e 500 milhões delas são consideradas obesas. Esse problema não atinge somente países ricos. Muitos países, como o México, são atingidos pela hipernutrição e pela subnutrição ao mesmo tempo. Por isso, segundo a FAO, essas frentes precisam ser atacadas simultaneamente.

Nesta quinta-feira, a conferência em Roma receberá um convidado ilustre. O Papa Francisco irá subir ao palco do evento para falar aos representantes de governo presentes e tentar ampliar a consciência sobre o problema nutricional mundo afora.

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