A chegada de haitianos está causando um conflito político no Brasil. Poucos temas internacionais fizeram tanto eco na política nacional e local quanto à migração de haitianos ao nosso país. Há pelo menos três fatores envolvidos aqui: política externa, federalismo e políticas públicas.

Política externa: o Brasil fez uma opção internacional ao comandar a Missão da Paz da ONU no Haiti (Minustah), que completa 10 anos, dentro do princípio da solidariedade e de não-indiferença, que fez do Brasil um dos responsáveis internacionais pela estabilidade daquela ilha caribenha. Após o terremoto de 2010, que devastou o país, Brasília adotou política de fronteiras abertas aos haitianos, que cruzam o continente e entram via Brasiléia, no Acre, além de o fazerem pelas vias normais, obtendo visto em Porto Príncipe. Há, hoje, uma conexão internacional complexa entre Brasil e Haiti.

Inicialmente, os haitianos solicitaram status de refúgio, mas o Conselho Nacional de Refugiados, ligado ao Ministério da Justiça, decidiu que eles não sofrem perseguição, por isso não são reconhecidos como refugiados. Porém, tendo em vista que estão numa condição de grande vulnerabilidade, o Conselho Nacional de Imigração permite que eles permaneçam no país, com visto humanitário, e assim podem residir e trabalhar aqui.

Federalismo: migração é um tema federal, somente a União pode definir políticas sobre quem entra e quem sai. Mas a partir do instante em que o imigrante ingressa no território, resta aos estados e municípios atendê-los. E a mobilidade dos imigrantes dentro do país deixa de ser uma questão apenas federal, para ser federativa. Por isso, é compreensível o conflito entre o Estado de São Paulo e o Estado do Acre, por ocasião do deslocamento dos haitianos apoiado pelo governo acreano, sem uma articulação com os governos estadual e municipal paulistas.

Políticas públicas: o Brasil não tem uma política nacional definida, em conjunto com os estados e municípios, para atender adequadamente refugiados e imigrantes com visto humanitário. Essa condição é nova e demanda uma construção coletiva, envolvendo a sociedade civil, que tem assumido grande parcela de ajuda tanto aos haitianos quanto aos refugiados. No caso destes, já existem comitês estaduais discutindo o tema e o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR) também presta auxílio. Mas em relação aos haitianos e outros imigrantes, é urgente que os governos federal, estaduais e municipais criem mecanismos de diálogo e de cooperação, sem os quais a solidariedade se esvairá na fronteira.