São políticos, alguns ex-ministros, mas também há empresários, patrões, sindicalistas, académicos e constitucionalistas que defendem a chamada “reestruturação responsável da dívida”, condição sem a qual, dizem, continuará a imperar a política da austeridade pela austeridade e, sem a qual não será possível o crescimento e o emprego.

A dois meses do final do programa de resgate da troika, este grupo de personalidades, que têm visões bastaste diferentes sobre a forma como o país deve lidar com a crise, junta-se para fazer um apelo comum para que Portugal encete esforços junto dos seus parceiros europeus para preparar uma reestruturação da dívida pública que, com os valores actuais, dizem ser “insustentável”. No final do ano passado, o rácio da dívida pública rondava os 130% do PIB (120% líquida de depósitos).

São estes números que levam este grupo a dizer que “a dívida pública tornar-se-á insustentável na ausência de crescimento duradouro significativo”, e que para a combater seriam necessários “saldos orçamentais primários verdadeiramente excepcionais, insusceptíveis de imposição prolongada”. Ainda este fim-de-semana, no prefácio dos Roteiros, o Presidente da República calculava que mesmo que Portugal conseguisse todos os anos um excedente primário de 3% (e num cenário de crescimento anual do PIB nominal de 4% e com juros da dívida de 4%), só em 2035 é que o país conseguiria atingir um rácio da dívida pública de 60% do PIB, um limite imposto por Maastricht e com o qual Portugal se comprometeu ainda mais ao subscrever o Pacto Orçamental.

Sem reestruturação da dívida, este manifesto vaticina que “o Estado continuará enredado e tolhido na vã tentativa de resolver os problemas do défice orçamental e da dívida pública pela única via da austeridade”. E se assim for, o grupo dos 70 traça um cenário negro: degradação dos serviços e prestações fornecidos pelo Estado, queda da procura, economia a definhar, maior precariedade do trabalho, emigração de jovens qualificados, rarefacção do crédito da banca e inúmeras empresas ver-se-iam compelidas a reduzir efectivos.

Alemanha no pós-guerra

A reestruturação não é sinónimo de não pagar a dívida e, como tal, o manifesto fala numa “reestruturação responsável” que seja feita “no espaço institucional europeu, embora provavelmente a contragosto, designadamente dos responsáveis alemães”. Os 70 alertam que mesmo que o país “cumpra as boas práticas de rigor orçamental, de acordo com as normas constitucionais”, não vai conseguir contornar sozinho o problema do excesso de endividamento, já que perdeu a soberania monetária e cambial para intervir na economia.

Portugal deverá poder contar com a solidariedade dos parceiros europeus, tal como, dizem, a Alemanha beneficiou de um perdão e de uma restruturação da dívida no período pós-guerra. Recordam que pelo Acordo de Londres sobre a dívida externa alemã, de 27 de Fevereiro de 1953, a dívida externa alemã anterior à II Guerra Mundial foi perdoada em 46% e a posterior à II Guerra em 51,2%. Da remanescente, 17% ficaram a juro zero e 38% a juro de 2,5%. Os juros devidos desde 1934 foram igualmente perdoados. Foi também acordado um período de carência de cinco anos e limitadas as responsabilidades anuais futuras ao máximo de 5% das exportações no mesmo ano.

E se o alongamento da maturidade da dívida foi uma das causas que esteve na origem do chamado “milagre económico da Alemanha”, o manifesto sugere para Portugal uma “extensão das maturidades da dívida para 40 ou mais anos”, recordando que a nossa dívida “tem picos violentos”. De agora até 2017, calculam, “o reembolso da dívida de médio e longo prazo atingirá cerca de 48 mil milhões”. E qual a dívida a ser reestruturada? O grupo dos 70 sugere que incida sobre a dívida em excesso e que ultrapasse o limiar dos 60% do PIB. E como os juros da dívida pública directa absorvem 4,5% da riqueza nacional, o manifesto também sugere uma redução significativa da taxa média de juro do stock da dívida nacional.

Fonte: Público – www.publico.pt